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quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Minha Vida de Vinil

  Matheus Andrighi 

Matheus Andrighi
     Se a minha memória confusa e por partes com fome, de qualquer coisa, que é a memória de um universitário, não estiver confundindo as coisas, penso que minha história inteira cabe dentro de um long play de quarenta e oito rotações por minuto. Melhor ainda se este for dos Beatles. Aproximadamente quatorze faixas chiadas que traduzem um amor, ainda que em processo de namoro, denominado música.
   Longe de ser qualificado o bastante para poder discorrer demais sobre o assunto, eu só posso falar por mim sobre esse dial que regula o meu comportamento e o comportamento dos outros cinco bilhões, novecentos e noventa e nove milhões de indivíduos que vivem aqui.
   Lembro que quando criança, meu pai costumava a sentar comigo perto do radio preto da sala e colocava um disco pra gente poder ouvir. Eu dormia ou ia brincar, claro, se eu soubesse que ser criança passa tão rápido, eu com certeza teria aprontado muito mais com os móveis da minha mãe, que sempre mandava baixar o som. E quando eu ia brincar, ficava ouvindo a música da sala, de longe, meu pai sentado, fazendo qualquer coisa, quieto. De qualquer jeito era bom, quando eu ficava com ele, me contava sobre o tempo em que ia virar padre, conheceu minha mãe, fugiu do seminário, virou cantor, fotos em que aparecia cantando... Aí eu ouvia um pouco de música.
   Um dia ele me mostrou uma coleção de quatro carinhas iguais, até nas roupas e nas costeletas, que tinham feito muito sucesso na década de sessenta e que ele gostava muito.
   Eu não sei por que, acho que as coisas só acontecem com o decorrer dos anos. Quando eles iam trabalhar e eu já havia voltado da escola, colocava um disco no radio preto e ficava no espelho ensaiando meu grande futuro como rock star internacional com um violãozinho de plástico e quatro cordas que eu tinha conseguido no tiro ao alvo da festa junina do emprego do meu pai. Sempre tinha muito CD espalhado pela sala, mas eu gostava dos “bolachões”, tinham um chiadinho legal e dava pra fazer um remix se girasse mais rápido com a mão. Fui descobrindo coisas que realmente gostava, virei crítico musical dos discos lá de casa no auge dos meus nove anos, escrevia pra uma revista que só eu lia.
   De qualquer jeito, a gente sempre acaba se identificando com coisas que não parecem exercer tanta importância em determinado momento. Algum tempo passou, a minha revista teve que fechar por falta de leitores, o rádio preto continuou na mesma sala e eu continuei descobrindo mais coisas que eu gostava na música, pendi mais para alguns estilos do que para outros, pedi para o meu pai um violão de verdade, para que eu pudesse aprender a tocar as coisas que eu gostava de ouvir. O sentimento implícito que é transposto em breves, semibreves, colcheias e acordes. Poesia, blues e incenso. Gostava mais da década de sessenta num dia, virava Elvis no outro, me via sentado vendo o pôr-do-sol em uma tarde de 1985, depois de ver o Paralamas do Sucesso estrear no Rock n’Rio. É uma sensação engraçada de poder vivenciar momentos em que eu nunca estive ou nem era vivo, e com detalhes ainda por cima. E que só a música me proporciona.
   Hoje quando vou visitar meus pais, antes de voltar, sempre peço para que cuide direito do rádio preto da sala, que hoje está no meu quarto lá na casa deles. Sempre que posso coloco um disco, sento, fico parado, fazendo qualquer coisa, quieto. Minha mãe pede pra baixar o som, tem uma foto minha com o violãozinho de plástico ao lado da cômoda. E a música rola a tarde inteira, por que eles foram trabalhar e eu estou de férias, sozinho. Eu ainda não virei um rock star internacional, mas até já conheço outros estados, porque precisei sair pra estudar. Eu descubro um som novo que eu goste a todo o dia, o último foi o som de uma castanhola. Os vinis estão guardados pra quem sabe eu colocar pros meus filhos poderem dormir também. E eu e estou aí, batucando a mesa durante a aula na faculdade.

Matheus Andrighi
Acadêmico em Comunicação Social/Publicidade e Propaganda
Músico integrante da banda Maquinários (da qual Ivan Silva é vocalista).

4 comentários:

Ivan Silva disse...

Parabéns pelo texto, Matheus! A música é um elemento que faz parte da história da maioria das pessoas, e traz boas recordações. É a grande companheira do homem, e um remédio contra o sofrimento, como dizia o filósofo alemão Arthur Schopenhauer.

Cássio Borges disse...

Bela crônica Matheus!
Aliás, como músico, você é um ótimo cronista! rs rs rs...
Brincadeira, é que gostei muito da sua história, Parabéns!


Cássio Borges

Anônimo disse...

Massa o texto lokura, lembrei da minha antiga vitrola que minha mãe deixou para trás quando nos mudamos, e agora só tenho alguns discos!
hehehe

abraços!

Kodó

Tácio Pimenta disse...

texto muito bom, cara! sejamos rockstars.