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domingo, 24 de outubro de 2010

A Lúcida Loucura de Raul Seixas

POETA, LOUCO, LÚCIDO, PROFETA, FILÓSOFO, CANTOR...

Ivan Silva

Raul Seixas (Foto:Web)
       Esta matéria é apenas um caminho para compreender esse que foi um dos maiores defensores da lúcida loucura no Brasil, e uma verdadeira lenda dentro da música popular brasileira. Para entender essa mosca que vive a pousar em diversas sopas até hoje, é necessário ir atrás de outras fontes que a vida oferece. Limitar-se apenas a livros e pequenos textos sobre ele não têm graça. Escutar suas músicas sem refletir é tiro no vento. É preciso mergulhar de corpo e alma, sem preconceitos e moralismos cegos, dentro do oceano que é a natureza desse grande brasileiro. É preciso ser um pouco maluco-beleza que nem ele. Mas se não quiser ser nada disso, nada lhe impede de ter um olhar meramente simples, convencional e careta.

Quem foi ele?

   Ele foi um brasileiro que soube azucrinar tanto os generais de quepe e cara fechada que se apropriaram do Brasil em 64, quanto os conservadores extremos que até hoje ainda se escondem da vida e dos seus prazeres mais sedutores. Um homem que nasceu numa Bahia mansa, em uma rua qualquer chamada Augusta, na cidade de Salvador, no ido de 1945. Tinha tudo pra ser um rapaz normal, casar-se com uma só mulher e com ela passar toda a sua existência,  ter um emprego legal, igual ou parecido ao do seu pai, que era engenheiro. Família e boa casa não lhe faltavam, pertencia à classe média e tinha amplo acesso à informação. Como foi dito, tinha tudo pra ser igual aos rapazes de sua estirpe. Tinha, mas não foi.
(Foto: Frederico Mendes)
    A razão? Simples. Acesso à informação. Melhor, acesso demasiado ao conhecimento. Ele devorou livros de Literatura Universal durante a sua infância, além de estudar sobre assuntos metafísicos. Essas viagens pelo saber, como é de praxe, o conduziram aos benditos Por quês da vida, e ele utilizava, para registro de suas descobertas fantásticas, um diário. Interessante é que, mesmo gostando tanto de aprender coisas novas, de escrever e de se aventurar pelo universo dos livros, ele não gostava tanto de ir à escola, e repetiu cinco vezes o 2º ano ginasial. Talvez não tenha se adaptado aos moldes educacionais e tradicionais das escolas da época, visto que era um grande pensador autônomo. Quem sabe não era sinal de que estava nascendo o rebelde que anos mais tarde iria sacudir o Brasil e o mundo com sua música genial, que misturava a energia do rock e os mistérios do ocultismo com  ritmos tipicamente brasileiros? Bom, a verdade é que o Maluco-Beleza crescia cada vez mais dentro do jovem Raul Seixas.
    Em virtude do seu gosto por música, dos seus contatos com a cultura americana na juventude, e da predileção por uma consciência independente e efusiva, ele não podia cair em outras mãos que não fosse do Rock N’ Roll. Influenciado por cantores de rock como Elvis Presley, Little Richard, Jerry Lee, Raul Seixas montou um conjunto que soltou os demônios na Bahia de Todos os Santos, levando covers alucinantes das músicas que estavam estourando nos Estados Unidos.  Era o The Panthers, composto por Raul, Mariano, Pirinho, Helinho e Antonio Carlos, conhecido como Carleba, um quarteto que seguia à risca todos os moldes que compunham o formato do verdadeiro roqueiro dos anos 50: topete à moda James Jean, comportamento enérgico, golas levantadas e a adoção da loucura como filosofia de vida. 
   Com a postura decisiva e o olhar sempre além, ele foi muito mais que um simples jovem rebelde. Foi um profeta, filósofo, poeta louco, o inicio, o fim e o meio. Compôs letras maravilhosas ao lado de Paulo Coelho, e com ele prosseguiu durante muitos anos, numa parceria que foi proveitosa para ambos. Os dois foram membros de uma sociedade secreta, envolveram-se com os segredos do ocultismo, e partiram para o exílio juntos, aprontando todas na cidade de Nova York, Estados Unidos. Segundo declarações do próprio Raulzito, os dois chegaram a conversar com o beatle John Lennon. Na ocasião, aproveitaram para discutir sobre o projeto por uma Sociedade mais Alternativa para todos, razão pela qual foram convidados a se retirar  do país. O engraçado é que o DOPS, o departamento repressivo da ditadura, utilizou como justificativa apenas o discurso contido na música Sociedade Alternativa, que poderia provocar um efeito desastroso na ordem nacional. Nenhuma prova da existência física de uma sociedade alternativa foi encontrada.

A reação do Não

(Foto: Web)
     Não havia como fugir. Infelizmente, Raul Seixas, assim como um número expressivo de brasileiros, foi obrigado a enfrentar um terror que até hoje  causa espanto quando se decide folhear as páginas da história do Brasil que se referem ao intervalo entre os anos de 1964 e 1985. A liberdade de expressão e a garantia dos direitos civis e sociais, firmados através da Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada e proclamada pela resolução 217 A (III) da Assembléia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948, haviam ido pro ralo. As autoridades brasileiras resolveram transformar o Brasil num verdadeiro campo de guerra, onde o povo brasileiro escondia-se em barricadas enquanto o Exército mostrava todo o potencial da artilharia moral de seus lideres e brutalidade de seus soldados subordinados.  Artistas nacionais passaram a viver sob ameaça de exílio e censura, e Raul Seixas foi uma das vitimas, assim como Chico Buarque, Caetano Veloso e Gilberto Gil. Suas músicas, consideradas subversivas pelos censores “altamente inteligentes”, representavam ameaça ao sistema político autoritário vigente. Era o perigo da loucura consciente, cantada e escrita, que a cada dia deixava os ditadores mais tementes e dementes.
    Para desprazer extremo dos tiranos no poder, a música raulseixista sempre foi recheada de discursos em defesa da liberdade humana. Ele compôs a canção Sociedade Alternativa, que é praticamente uma síntese de todo o seu pensamento, profundamente influenciado pelas idéias do mago Aleister Crowley, nascido na cidade de Leamington, Inglaterra, em 1875. É de Crowley a famosa frase: “Faze o que tu queres, há de ser tudo da lei”, um dos pilares da sociedade que Raul Seixas havia imaginado junto com Paulo Coelho, e que pretendia transformar em realidade futuramente.
    A luta pela Sociedade Alternativa é uma luta que visa conscientizar as pessoas sobre a importância do Eu. É você ter a liberdade para buscar conhecimento, sem as abusivas interferências dos paradigmas religiosos, morais, culturais, políticos, entre outros. No livro Raul Seixas, o Sonho da Sociedade Alternativa, da professora Luciane Alves (Editora Martin Claret, São Paulo) há um capitulo dedicado ao projeto Era de Aquarius, de autoria de Raul. Ele pretendia, com essa empreitada, realizar um grande festival de música no principio do ano 2000, data de inicio do terceiro milênio. Nele haveria uma reunião de artistas de todo o mundo para uma mega exposição de arte, embora o principal foco de Raul Seixas fosse aproveitar a ocasião para promover uma luta pela paz mundial e contra o fim das armas nucleares. A lúcida loucura do cantor, como se pode notar, sempre esteve voltada para as causas que muitas  pessoas normais até hoje não conseguem resolver por completo.

Termina a ditadura, termina Raul e começa um novo tempo

    A carreira de Raulzito terminou em 1989, com a sua morte, quatro anos após o fim da ditadura militar. Toda a sua vida de loucuras ao lado dos amigos Paulo Coelho, Silvio Passos,  Marcelo Nova, de suas muitas mulheres, filhas, livros, músicas, seitas, bebidas e sonhos foi o que o ajudou a enfrentar as inúmeras adversidades do mundo. Enquanto foi cantor, provou das agruras da ditadura, mas também deu o troco. Sua malicia, a inteligência, a fina ironia, o ácido sarcasmo e as armadilhas nas composições eram armas poderosas com as quais driblava a terrível censura e o moralismo apaixonado de uma sociedade escravizada pelas forças tiranas de um poder extremista.
   Hoje ele revive. Camisetas,  cds, mp3, mp4, mp5, ipods, sites, blogs, ruas, rodas de amigos e shows são alguns dos muitos lugares onde se pode encontrar a mensagem de Raul Seixas, sempre imponente, forte e atual. A sua loucura sempre lúcida pulsa firme nos corações de muitas pessoas, e os tabus, ditadores e hegemonias diversas estão cada vez mais encurralados pelo poder da democracia, da expressão e da liberdade. Como foi dito no inicio, esta matéria é apenas um caminho, um breve escrito que conduz ao principio desse enorme e misterioso livro que é Raul. Lembre-se: é preciso buscar muito mais informação, pois vale a pena entender o Raulzito, respirar os ares da obra dele e, quem sabe, desfrutar um pouco da loucura que ele representa. Agora que o recado está dado, você pode começar a compreendê-lo por meio do livro de Luciane Alves, que é uma grande e notável fonte.

   Mas se você é especialista em Raul, então Viva a Sociedade Alternativa!

 
Fontes Pesquisadas: 
Luciane Alves - Raul Seixas. O Sonho da Sociedade Alternativa (Editora Martin Claret).
Museu Anos 80 - http://www.museuanos80.blogspot.com/

(Próxima atualização - 26/10/2010)




4 comentários:

Anônimo disse...

Desprezar esse mito, é desprezar a hitória brasileira, por isso eu me idigno com quem critica essa lenda, sem nehum fundamento específico..Viva a sociedade alternativa!

Najara Barros disse...

Pena o a década de 70 do Rock brasileiro não ter sido tratada como merecia.....Adorei o blog!
Acabei de chegar e já vou pedindo...posta sobre Titãs!!

Ivan Silva disse...

Obrigado Najara! Infelizmente, por conta da repressão militar, a cultura e o rock perderam muito nos anos 70. Não só Raul, mas vários outros foram vitimas desse caos politico-social.
Gostei muito da idéia. Em breve farei uma matéria sobre a banda Titãs, que é um expoente do rock nacional.

Abraço!

Tácio Pimenta disse...

Texto ótimo e riquíssimo! Parabéns Ivan pela bela homenagem, e parabéns Raul, por ter não apenas existido, mas por ter feito e ainda fazer toda a diferença!

"há muito tempo atrás, na velha Bahia, eu imitava Little Richards e me contorcia. As pessoas se afastavam achando que eu tava tendo um ataque de epilepsia... oooh rock n'roll..."